Crítica: Ameaça Profunda


“Deus ao mar o perigo e o abismo deu” – Pessoa, Fernando: Mar Português

O mar, durante séculos, foi uma considerável fonte de mistérios para a humanidade: por um lado, ele ocultava os continentes e ilhas uns dos outros, por outro suas profundezas escondiam seres que até pouco tempo atrás seriam incompreensíveis aos humanos. Disto surgiram várias lendas de monstros terríveis que se esconderiam nas profundezas, como o leviatã e a serpente do mar.

Ocasionalmente, alguns destes monstros teriam sua existência comprovada, como a misteriosa Lula Gigante, que inspirou seres como o Kraken. Por sua vez, não compreendemos completamente a vida deste curioso animal, estimando-se que existam exemplares maiores que o encontrado há alguns anos de apenas 10 metros (o manto no entanto é bem menos impressionante, com apenas 1,79 m).

Ainda que hoje tenhamos ampliados nossos conhecimentos sobre as profundezas oceânicas, conseguindo fotos de grandes objetos, e conseguindo mapear suas profundezas através de novas técnicas, ainda muito sobre os pontos mais fundos da superfície terrestre continuam inacessíveis, por exemplo a Fossa das Marianas. Devido a este ainda amplo desconhecimento, a imaginação humana se vê aguçada a preencher estas lacunas: desde a invenção de criptídeos – seres mitológicos modernos – até a crença de que animais pré-históricos, como o megalodonte, ainda habitem essa profundezas.

O filme “Ameaça Profunda” (Underwater) se passa nessas profundezas sombrias e inexploradas dos oceanos. Dirigido por William Eubank em seu terceiro trabalho, conta a história de uma catástrofe que atinge uma empreitada comercial para escavar pontos extremamente profundos do oceano, para retirada de minérios, e como um grupo de sobreviventes, liderados por Norah (Kristen Stewart) e seu capitão (Vincent Cassel) tenta alcançar um ponto seguro para sua evacuação. No entanto, existe mais nessa catástrofe do que aparenta.

Uma das primeiras coisas que se nota é sua inspiração na série cinematográfica “Alien”: a iluminação esparsa, ambientes claustrofóbicos, o uso de poucos personagens, e a presença de seres incompreensíveis aos humanos que os enfrentam. Existem até fatores curiosamente paralelos entre as produções: a nave rebocada pela Nostromo no filme “Alien – O Oitavo Passageiro” é uma usina mineira, assim como a instalação em que se passa “Ameaça Profunda”; o uso de uma personagem feminina forte e corajosa, é um tema continuo da série. Até mesmo a empresa lembra de certa maneira a Weyland-Yutani.

Outro fator que parece ter sido inspirado nos títulos da franquia “Alien”, em particular “Prometheus”, é o design das criaturas: em geral elas parecem uma mistura do criptídeo Ningen – uma criatura avistada por navegadores nos mares do sul – com as indefiníveis criaturas mutadas pelo líquido negro do filme citado.

Talvez o ponto, no entanto, mais derivativo seja o fim, em que tudo o que o longa até então flertou, culmina.  Por questões de spoilers, será mantido em segredo nesse texto o que ocorre, porém deve ser dito que não é nada que já não tenhamos visto em outros filmes, e até mesmo em livros de certo autor de livros de horror.

Por sua vez, um ponto que deve ser elogiado são as atuações, em particular a de Kristen Stewart. Normalmente, os trabalhos da atriz são pouco expressivos, porém dessa vez, ela consegue retratar bem uma pessoa que vai perdendo todos ao seu redor, devido à catástrofe que a circula, e a depressão desta, que já era presente antes. Sua escolha de trabalhos que funcionem com sua forma de atuar vem melhorando, e a produção é um exemplo disto. Vincent Cassel também trabalha bem, ainda que seu papel seja um tanto estereotípico do herói que perdeu tudo e decide se afastar dos outros.

O ponto baixo desse quesito, fica por sua vez a cargo de Jessica Henwick, cuja atuação e o papel são fracos, resumindo-se ao clichê da garota apavorada. T.J. Miller fica na fronteira entre bom e ruim da obra, e, devido ao carisma de seu personagem, consegue evitar que seja irritante.

Outro item a ser elogiado no filme está em seu Sound Design, que é impressionante: passa a sensação de estarmos presos junto aos personagens neste local cuja a transmissão do som é difusa e não conseguimos compreender o que ocorre ao nosso redor. Além disso, em vários momentos é bem conectado com a trilha sonora, que em si é bem interessante, quando não toma o lugar desta.

A fotografia também é bem interessante, no entanto é mais um dos fatores que fará as pessoas lembrarem-se da série “Alien” quando nos ambientes internos. Por sua vez, nos ambientes externos é um fator que reforça a continua sensação claustrofóbica, embora ocorra em um ambiente “aberto”.

Ainda que derivativo, “Ameaça Profunda” é divertido para os amantes do terror e da ficção cientifica. A trama é atraente, tem sustos eficazes – ainda que algumas vezes previsíveis – e uma atmosfera sinistra, o que fará que os fãs da fusão destes dois gêneros tenham bastante motivos para assistir.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias

*Filme assistido durante Cabine de Imprensa realizada pela 20th Century Fox.