Crítica: Bolshoi


O Bolshoi é uma das maiores referências do balé no mundo: A companhia surge junto com o teatro de mesmo nome e foi responsável por apresentações marcantes de peças como “O Lago dos Cisnes”, “Romeu e Julieta”, “O Quebra-Nozes” etc. “Bolshoi” (Bolshoy / The Bolshoi) também é o título do filme de Valeriy Todorovskiy sobre a vida de Yuliya Olshanskaya (Margarita Simonova, adulta, e Ekaterina Samuilina, criança), aluna e futura integrante da companhia, vivendo sua vida em função da dança.

É difícil discutir um longa sobre balé depois de “Cisne Negro”, que por sua fama, gera comparações. Sendo assim, Valeriy Todorovskiy não procura em criar um retrato do interior da personagem, mas sim de seu exterior: condições de trabalho, lugar social do balé e outros problemas que a circundam.

Algo que merece destaque é o abordar social: vemos o quanto o balé russo, algo pelo qual o país é conhecido mundo afora, ainda é distante do cotidiano da grande massa do povo, que sequer sonha em assistir ou aprender.

Isso é mostrado na forma da família de Yuliya, que é de classe baixa e tem o mínimo, apenas para viver com dignidade. Sua entrada no balé nunca ocorreria, se não fosse ser apadrinhada por um ex-bailarino do Bolshoi que quase é roubado num golpe durante o qual ela se apresentava dançando na rua e um amigo roubava carteiras.

Outro fator interessante da produção é abordar o quão tóxico é o ambiente de estudo e trabalho de uma companhia de teatro e sua academia. Na trama, as meninas são constantemente antagonizadas por professores, precisam constantemente usar binders (peça de roupa ou de tecido utilizada para minimizar ou alterar a aparência dos seios), ao ponto de se machucarem, e são incentivadas a se sentirem com valor apenas quando atingem papéis principais – o que vem com grande pressão e dor, e para pouquíssimas -, além dos problemas de favoritismo por parte de professores e diretores.

Na área de atuação, Ekaterina Samuilina (a protagonista quando criança), faz muito bem o papel da adolescente rebelde, sem parecer uma criança chata; Margarita Simonova (Yuliya adulta), ainda que pudesse em alguns pontos ser melhor, tem uma interpretação sólida.

Os veteranos Alisa Freyndlikh, e Aleksandr Domogarov roubam a cena, cada um com uma reação diferente ao fim de sua carreira: ela uma professora amargurada, que sente saudades da glória passada, mas que ainda tenta se manter firme em sua ligação com o teatro, sendo consumida pelo Alzheimer. Ele se voltou ao álcool numa tentativa de amenizar estas saudades, e também esquecer as dores que o levaram onde esteve. Ambos estão muito bem retratados e reais, e mesmo que várias vezes antipáticos, é possível entender e identificar-se com eles.

Ainda que o foco seja o balé, “Bolshoi” é um título para quem gosta das artes mais “eruditas”. Para quem é fã deste tipo de dança – ou de dança no geral – é um filme obrigatório.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pelo 1º Festival de Cinema Russo.