Crítica: “Buscando…”


A perspectiva em que um filme se passa é parte integral da narrativa deste, ditando parte do ritmo, e como percebemos e entendemos a história. O que seria de “A Bruxa de Blair” (1999), se não estivéssemos vendo a partir da câmera empregada pelos personagens da história? Existem três tipos mais comuns de perspectivas de filmagem, seja no longa inteiro ou apenas em partes: o primeiro é o clássico em terceira pessoa, na qual as câmeras observam os personagens, e não fazem parte das cenas, exemplos não faltam.

O segundo tipo é o em primeira pessoa, a partir das câmeras dentro do filme, técnica comum em obras de “filmagem perdida” (found footage movies), nas quais acompanhamos a história da perspectiva das câmeras usadas pelos personagens dentro das cenas. Alguns exemplos são o clássico do gênero e polêmico “Holocausto Canibal” (1980), que alterna entre cenas em terceira pessoa e a partir das câmeras dos personagens, e o mais recente, e mais conhecido, é “Cloverfield” (2008).

Por fim um terceiro tipo de perspectiva em primeira pessoa, a partir dos olhos dessas. Este tipo de recurso não é comumente usado em projetos inteiros, mas em sequências e cenas dentro de filmes. Dois exemplos marcantes são o famoso “Quem quer ser John Malkovich” (1999), no qual algumas cenas são feitas como se criadas a partir olhos do ator titular, e “Doom: A porta do Inferno” (2005), em uma há uma sequência dedicada a simular o jogo que o título adapta.

“Buscando…” (Searching) é um filme que se propõe a fugir destes três tipos mais comuns, adotando a perspectiva das telas de computadores e smartphones, onipresentes no nosso mundo moderno. Após o falecimento da esposa, David Kim (John Cho) começa a ter um relacionamento cada vez mais distante de sua filha, Margot (Michelle La), e cada vez mais conectado apenas pelos celulares e computadores. Após uma noite de estudos, Margot desaparece, e John inicia uma busca no mundo digital, onde as aparências não necessariamente correspondem à realidade, e se verá descobrindo coisas sobre a filha que jamais imaginaria.

Este é um filme único. Em primeiro lugar a forma de abordar a perspectiva em que escolhe expor a narrativa é extremamente bem trabalhada, sempre encontrando saídas criativas para conseguir obter as cenas necessárias. Outro aspecto interessante é a forma como a história é abordada: um misto de suspense com alerta sobre os perigos da excessiva dependência dos meios digitais que criamos, e da confiança extrema na internet que podemos criar.

Ainda assim, “Buscando…” não é um filme didático: Os problemas expostos, e alertados, são vistos como parte do mistério do filme, e como forma de mover a trama, não apenas como algo gratuito. Também merecem destaque: a construção do suspense, as reviravoltas, as pequenas pistas… Todos estes elementos são esculpidos de maneira magistral, e são algo que vão marcar os espectadores, além do fato do personagem principal não ser nenhum herói de ação, nem um gênio investigador que está um passo à frente da polícia ajuda.

A produção tem algumas falhas bem menores, que não vão atrapalhar quem assistir. Um exemplo é o uso de um pc com Windows XP no começo dos anos 2010, que poderá causar o levantar de algumas sobrancelhas entre os mais fixados em tecnologia, embora possa ser justificável. Outro problema, um pouco maior, mas ainda assim irrelevante, são algumas cenas parecem que tentam fazer de tudo para trazer a ação para as telas dos computadores:  um exemplo disso, é uma sequência na qual John tenta interrogar uma pessoa, colocando câmeras na casa, sendo que apenas uma seria necessária, e talvez nem fosse. Porém como dito acima, não é um problema injustificável.

Por fim “Buscando…” é um thriller de suspense inovador que merece reconhecimento, tanto pela perspectiva que emprega, pela narrativa bem construída, e pelo trabalho dos atores. Recomendado a todos que querem assistir a um bom filme.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias