Crítica: “Lady Bird – A Hora de Voar”


A adolescência é feita de impaciência, tédio e enormes expectativas. Acredita-se ser a personalidade mais preciosa no mundo ao mesmo tempo em que se importa intensamente com o olhar do outro. Aos poucos forjamos nomes e personalidades, entre acertos e erros, a fim de achar aquilo que nomeamos como “eu”.

Diante disso, Lady Bird – A Hora de Voar (Lady Bird) se revela como um dos raros filmes que mostra a adolescência comum que, possivelmente, a maioria experimentou. Sem amores idealizados e perfeitos. Sem muitos amigos (mas com amigos significativos). Com dificuldade financeira, dramas comuns em casa. Uma incompatibilidade momentânea com os pais. Um ímpeto em gritar, chorar e sentir tudo o que puder. E vários instantes de rompimentos e separações, numa época em que achamos que tudo é permanente.

No filme, “Lady Bird” é o nome que Christine (Saoirse Ronan) deu a si mesma. Com esse nome ela assume uma persona de quem tem grandes sonhos de ser alguém que ainda não sabe bem como será. Ela estuda em um colégio católico e se coloca como figura transgressora. Lady Bird quer ganhar as olimpíadas de Matemática, mas não é boa na matéria. Ela quer uma faculdade como Yale, mas não Yale, porque não conseguiria passar. Faz teatro com o desejo de se destacar, porém não é excelente.

E isso é mostrado, pelo filme, como algo perfeitamente normal. Durante a adolescência, alimenta-se entre os jantares de família as clássicas perguntas sobre relacionamentos e carreira. Como se aos 17 ou 18 anos fosse possível escolher com certeza um futuro imutável. Ninguém nos fala o quão normal é ter tédio, medo, dúvidas, como não é o fim do mundo deixar de ter um objeto ou uma roupa que os outros têm.

A direção de Greta Gerwig possui traços particulares. É com fluidez que ela consegue apresentar uma rotina comum com encanto. O seu grande mérito é conseguir, com profundidade, nos inserir na pele de Lady Bird e nos fazer ter a sensação de que somos nós vivendo aquela adolescência. Nossas memórias se misturam com as da personagem, as vivências dela se juntam às nossas. Lady Bird é uma vida projetada, vista pelo espectador, ao mesmo tempo em que se confunde com o tempo vivenciado por aquele que o assiste. Parece, assim, que só existe o rememorar da adolescência e aquele tempo que se passa na tela, como se fosse nosso.

A presença de Saoirse Ronan como Lady Bird é singular. Com sotaque americano muito bem feito, a atriz irlandesa faz da garota uma pessoa vibrante. Encontramos toda a sua intenção em ser grandiosa e fugir da mediocridade de sua vida. Essa mediocridade, porém, começa como algo que vemos apenas pela perspectiva da jovem. No decorrer do filme, notamos como Lady Bird é sortuda e que sua vida tem uma beleza particular: os pais trabalham e se esforçam muito para criá-la; são pessoas que possuem doçura e bondade; sua amiga Julie é adorável. Conforme a personagem vai amadurecendo e ouvindo a impressão dos outros sobre os pais e conhecendo mais sobre a própria amiga, Lady Bird passa a vê-los de maneira diferente. Essa alteração é bem sutil, e ela acontece diante dos olhos do espectador de forma delicada.

Um problema que não ocorre em Lady Bird é tornar a figura do adolescente uma mera imagem de impetuosidade, de alguém desajustado com roupas esquisitas e comportamento revoltado. Lady Bird desafia as pessoas, possui seus objetos que a define, o cabelo colorido, e todas essas suas características são postas de forma realista e comum, sem firmar-se em estereótipos forçados. A personalidade da jovem – que pode parecer difícil à primeira vista – se assemelha demais aos nossos dias de revolta e necessidade de se provar, colocando-se à força no mundo. Contudo, isso ocorre com uma boa dose de ingenuidade de uma garota que ainda não amadureceu e observou o mundo, de fato.

Aos poucos, vemos que Lady Bird vai traçando um caminho mais firme. Em uma das cenas do filme, ela comenta sobre a música Hand in my pocket, da Alanis Morissette, afirmando que a artista fez essa música em apenas 10 minutos. Como se Lady Bird estivesse dizendo que queria também criar algo tão único, mas rápido. Quem não desejou o mesmo, na adolescência? Nesse período pouco queremos saber das implicações de horas e horas de preparação, de trabalho, até poder ser capaz de criar uma música especial em tão pouco tempo. Até porque tudo isso requer experiência.

Torcemos para que talento seja fácil e adquirido ao nascer. E esse culto todo da personalidade parece exigir, na adolescência, que todos devem possuir algo de único para oferecer ao mundo sempre, quando na verdade o mais importante é passar por toda a jornada excruciante que é se formar como estudante e pessoa de forma saudável.

Os versos de Hand in my pocket falam muito de quem é Lady Bird e a própria adolescência como esse estado de contradições:

“I’m lost, but I’m hopeful, baby (…) (Eu estou perdida, mas estou esperançosa)

I’m free, but I’m focused (Sou livre, mas estou focada)

I’m green, but I’m wise, (Sou inexperiente, mas sou sábia)

I’m hard, but I’m friendly, baby. (Sou difícil, mas sou amigável)

I’m sad but I’m laughing (…) (Estou triste, mas estou rindo)

What it comes down to is that I haven’t got it all figured out just yet (O que tudo isso quer dizer é que eu ainda não tenho tudo isso desvendado até agora)

An’ what it all comes down to is that everything’s gonna be fine fine fine (O que tudo isso quer dizer é que tudo vai ficar bem)

Muitas das idealizações sobre a juventude vêm das ficções, da literatura, da música, e principalmente, do cinema. Cultuamos a ideia de que juventude precisa ser o tempo de fazer tudo sem pensar nas consequências, como se fosse uma regra que devesse se aplicar a todos, ao mesmo tempo em que se exige do jovem uma decisão definitiva sobre seu futuro, numa época em que o entendimento que o jovem tem de si mesmo e dos outros ainda está se formando. Por isso Lady Bird nos dá uma heroína semelhante a diversas garotas de sua idade e é uma obra que se coloca em pé com orgulho, afirmando que a vida ordinária também pode ser bela e merecedora de ter sua história contada.

por Marina Franconeti – especial para a CFNotícias