Crítica: Nós


Depois do sucesso de “Corra” muitas expectativas foram criadas sobre qual seria o próximo projeto do diretor e roteirista Jordan Peele, e seu novo trabalho “Nós(Us) não deixa nada a desejar.

Na trama, que aborda o clássico tema do duplo de uma forma revigorante e assustadora, vemos também uma renovação do filme de invasão, já um subgênero dos títulos de horror. Depois de uma pequena introdução passada nos anos oitenta (que de início parece deslocada da história, mas que já nos deixa com uma grande sensação de estranheza como se algo naquele cenário não se encaixasse direito, ou melhor, se encaixasse bem demais), somos apresentados, já nos dias atuais, à família Wilson.

Acompanhamos uma viagem da família justamente à praia onde Adelaide (Lupita Nyong’o) sofreu um grande e misterioso, trauma na infância. Ela é acompanhada do marido Gabe (Wiston Duke) e dos filhos, a adolescente Zora (Shahadi Joseph) e o caçula Jason (Evan Alex). Em uma noite o terreno da casa é invadido por outra família, que demonstra ser composta por versões assustadoras deles mesmos.

Peele trabalha muito bem com o desconforto natural que objetos estranhamente parecidos e coincidências bizarras causam, e o filme aborda isso em um crescente assustador, que sai do ambiente familiar e ganha proporções gigantescas – um trocadilho do título inclusive, onde Us não significa apenas “Nós”, mas também United States, sugestão da citação sobre estranhos túneis espalhados no país.

O longa inteiro é assim, tornando algo teoricamente simples, como clones malignos, em algo muito mais complexo e assustador, cercando o roteiro de sugestões e acontecimentos que conseguem manter o expectador interessado o tempo todo e o faz sair da sala do cinema com várias teorias e questionamentos. Aquele tipo de produção, que de uma forma deliciosa, demora pra ser digerida e nos faz ficar pensando nela por dias.

Todas essas sensações têm também outra “culpada”: a maravilhosa trilha sonora composta por Michael Abels, que associa músicas inusitadas com uma trilha desconcertante cheia de tons e acordes macabros. Outro mérito do filme, que costuma ser um problema em vários títulos do gênero, é que Peele sabe dosar muito bem o humor e o alívio cômico, bem visíveis na figura do grande e alto Gabe, que inverte os papéis com sua pequena esposa, a deixando com cenas de ação, assim como na sequência que se passa na casa dos vizinhos.

Mas além do humor e do terror, dessa vez mais claros do que em seu filme anterior, “Nós” também consegue trazer uma série de reflexões nesse horror tão envolvente que, apesar de talvez pecar um pouco no roteiro da reta final, nos entrega um fascinante produto sobre o quão macabro e assustador pode ser o reflexo de nós mesmos.

por Isabella Mendes – especial para CFNotícias