Crítica: “O Ódio que Você Semeia”


Aviso: os temas abordados – violência policial, racismo – na crítica a seguir podem ser incômodos para certos leitores.

O racismo em nossa sociedade é um problema social extremamente arraigado e aprofundado. Ele se dá por múltiplas facetas, e por vezes desacreditado por aqueles que não o sofrem. Uma de suas vertentes está na violência policial.

Esta realidade infelizmente não é muito diferente nos Estados Unidos e é baseada nela que temos o livro “O Ódio que Você Semeia” (The Hate u Give) da escritora Angie Thomas, que vêm adaptado para o cinema com o filme homônimo, dirigido por George Tillman Jr., cuja obra várias vezes aborda o tema do racismo na sociedade.

O longa segue a história de Starr Carter (Amandla Stenberg), uma jovem negra de 16 anos, habitante da ficcional Garden Heights, e estudante do colégio de classe média-alta Williamson Prep. Durante uma batida enquanto voltava para casa após sair de uma festa, Starr testemunha seu amigo de infância Khalil (Algee Smith) ser assassinado por um policial. Isso lhe abrirá as portas para perceber uma realidade cruel ao seu redor, na qual apesar de viver, passava muitas vezes incólume. Desta maneira começa a ver a estrutura racista que a cerca, inclusive com preconceitos de seus colegas.

A condução é um dos maiores trunfos do filme. Poucos conseguem levar tão bem uma trama tão trágica, e ainda assim conseguir tornar relevantes aspectos mais leves como humor e romance. No começo, pode até não parecer o que está por vir, com exceção da primeira cena, que é consideravelmente pesada. Por sua vez, ao equilibrar esses elementos, cada reviravolta é inesperada e funciona.

Os aspectos técnicos também muito ajudam na condução dramática da história, em particular nos aspectos musicais. Num primeiro momento abundam músicas da Black Music como trilha sonora, mas após o assassinato de Khalil, a trilha toma o rumo original, e serve como um dos condutores. A fotografia funciona bem, e os ângulos de câmera reforçam os dramas vividos pela protagonista. Ainda que as cores tenham mais foco em dar certa verossimilhança às cenas, em alguns momentos elas incorporam aspectos mais dramáticos.

Entre as atuações, duas merecem destaque:  Amandla Stenberg, transmite os dramas e as mudanças de sua personagem ao longo da história, e sua interação com os outros atores funciona muito bem, em especial com Russell Hornsby, que é o segundo grande destaque do filme, no papel de conselheiro e mentor, além do homem calejado pela sociedade.

Quanto aos aspectos negativos talvez o mais notório seja que algumas vezes – seja pela forma como é narrado, pelo romance juvenil entre Starr e seu namorado, por algumas atuações que precisam de certo polimento, ou por certos momentos da trilha sonora – o longa lembra um pouco o estilo “Sessão da Tarde”. Isso em si não é um problema, visto que torna a obra ais acessível, e pode abrir mais olhos em relação a essa realidade, porém alguns podem não gostar disto.

Por fim, “O Ódio que Você Semeia” desvela uma realidade cruel, sendo a alguns motivo de catarse e um grande gatilho, a outros de conscientização. Recomendado a todos que se interessem por filmes com contextos sociais pesados.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias