Crítica: O Segredo do Lago


Até que ponto alguém está disposto a chegar para proteger um segredo? Quais barreiras essa pessoa está disposta a derrubar para manter nas sombras a verdade? E o que fará com aqueles que acidentalmente encontram-na?

Tom (Anson Boon) é um jovem solitário e depressivo, com profunda dificuldade em se conectar com outras pessoas. Quando ele e sua mãe herdam e se mudam para a casa de seu bisavô, o adolescente encontra no lago que divide duas propriedades um segredo, o qual seus vizinhos farão de tudo para esconder.  Essa é a trama de “O Segredo do Lago” (The Winter Lake), filme de estreia do diretor irlandês Phil Sheerin,.

Entre as qualidades do longa, está a condução do mistério central, elemento fundamental dos títulos de suspense: não há pressa em apresentar os elementos centrais ou mesmo o mistério em si, dando tempo ao drama familiar para a construção de uma tensão, que pode até mesmo fazer acreditar que os culpados possam ser a mãe e/ou o filho.

Por sua vez, o verdadeiro mistério que se revela não é quem cometeu o crime central, pois este a própria trama nos faz o favor de desvelar, mas sim as motivações do crime – que não posso revelar por motivos de spoiler – e como este se encaixara num jogo de mentiras e traições que tem por centro o protagonista.

O drama citado acima também é um elemento curiosamente bem trabalhado com as constantes tensões entre Tom e sua mãe Elaine, devido aos ciclos de abandono familiar, a neurodivergência de Tom – o filme não revela qual é exatamente, porém ele exibe sinais tanto de um grau de autismo como de depressão profunda – e a situação econômica. O conflito e o distanciamento de Tom e Elaine não é apenas um enfeite, mas um elemento central da trama, e justifica certos comportamentos do protagonista.

Para representar estes complexos personagens deve-se aplaudir a competência de Charlie Murphy como Elaine, personagem cujos ânimos passam de ternura a ódio brevemente e exigem bastante da atriz; o papel de Anson Boon, Tom, no entanto o leva à estranha área cinzenta onde não sabemos se o ator é ruim, ou se é a ideia do personagem ser inexpressivo, porém nos momentos em que Tom supera seus conflitos, toma sua iniciativa ou tem suas explosões emotivas, que vemos suas qualidades.

Um fato interessante é que a diferença de idade entre Murphy e Boon é de pouco mais de dez anos, e isso é um elemento importante na construção dos personagens. Outra atriz que merece elogios é Emma Mackey, que faz Holly, a ambígua vizinha do protagonista, e acaba por não só manipulá-lo e à sua mãe, assim como também a própria plateia.

No setor da fotografia, usando muitos cinzas e tons escuros, e mesmo quando uma cor mais viva aparece, é esbranquiçada e/ou desbotada. Os enquadramentos cumprem com o dever, porém poderiam ser mais criativos em prol da narrativa visual.

“O Segredo do Lago” pode ser parado demais para quem curte títulos comuns de suspense, porém para os que gostam de tramas elaboradas, e também dos dramas que podem circunscrever os mistérios, é uma boa escolha para esse inverno frio.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias

*Título assistido via streaming a convite da Elite Filmes.