Crítica: O Último Duelo


Pode-se dizer que a fascinação pelos mais diversos tipos de embates cruéis é tão antiga quanto a própria raça humana. E, embora muitos já tenham sido retratados nos livros de história e nas telas de cinema e televisão, tendo como cenários arenas de gladiadores, disputas tecnológicas, brigas de rua ou mesmo desafios “inocentes” à primeira vista, a questão do quão moralmente duvidosa é tal predileção, ainda é muito relevante.

Baseada no livro “The Last Duel: A True History of Trial by Combat in Medieval France”, de Eric Jager, a trama de “O Último Duelo” (The Last Duel) se passa em 1386 – na região francesa da Normandia, na época da Guerra dos Cem Anos -, e começa, justamente, apresentando parte do tal conflito do título, que ficou marcado por ser o derradeiro autorizado em solo francês.

Ridley Scott mostra audácia e sabedoria ao contar, sob três pontos de vistas diferentes, o que levou ao tal duelo: o estupro de Marguerite de Thibouville (Jodie Comer), praticado pelo cavalheiro da corte, Jacques Le Gris (Adam Driver) – ex-amigo e atual rival de seu marido, Cavaleiro Jean de Carrouges (Matt Damon).

O drama é divido em três capítulos, cada um sendo contado sob a perspectiva de um protagonista, o que faz com que várias cenas sejam representadas em tela repetidas vezes. Mas, o que poderia ser um problema e fazer do filme cansativo, torna-se um imenso trunfo, já que é nas sutis mudanças de detalhes em cada exibição que o brilhantismo da obra torna-se mais perceptível.

O competente roteiro de Nicole Holofcener, Ben Affleck e Matt Damon consegue trabalhar com maestria, dois opostos: as tênues linhas que norteiam as versões distintas dos personagens e a maneira explícita escolhida para compor as sequências de batalha e do ato de violência sexual.

É desconfortável perceber o quanto a narrativa consegue conversar diretamente com os dias atuais, dadas as óbvias proporções. A maneira como Marguerite é hostilizada, inclusive por outras mulheres, enquanto luta para convencer os que têm alguma autoridade para fazer justiça (entenda-se a Igreja, os nobres da corte e o Rei Carlos VI – um adolescente com mais poder do que parece ser capaz de lidar, interpretado por Alex Lawther) é dolorosa e inaceitável.

Completando o elenco estelar, Ben Afleck dá vida ao Conde Pierre d’Alençon, cuja propensão ao adultério equipara-se em grau de absurdo à clara predileção por Le Gris (que atuava como responsável por suas finanças), a quem, como juiz do caso, inocenta das acusações feitas formalmente por Carrouges.

Tal veredicto leva ao duelo conhecido como “Julgamento por Combate” que se encerrará apenas com a morte de um dos oponentes, sendo que, no caso de derrota de Carrouges, Marguerite também seria queimada viva em praça pública.

Como eu não conhecia a história na qual “O Último Duelo” se baseia, confesso ter ficado bastante apreensiva até os momentos finais do longa. Tudo graças ao primoroso trabalho que resulta em um longa avassalador, que deve render boas reflexões e parece ser nome certo na próxima temporada de premiações.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.