Crítica: Sob as Escadas de Paris


Existe uma expressão bastante usada quando se trata sobre pessoas em situação de rua: “Invisíveis”. Seja pelo fato de assim se sentirem diante da indiferença da grande maioria que por elas passa, sem dispensar nenhum tipo de atenção, ou pelo fato da sociedade (obviamente não em sua totalidade) não parecer disposta a fazer algo por alguém que não poderá retribuir.

Diante desse fato, a trama de “Sob as Escadas de Paris” (Sous les étoiles de Paris / Under the Stairs of Paris) torna-se ainda mais tocante. O drama francês dirigido por Claus Drexel – que também escreve o roteiro junto a Olivier Brunhes – nos insere na rotina de uma senhora de nome Christine (Catherine Frot), que vive em situação de rua, tendo como único abrigo, justamente o interior de uma escadaria na capital francesa.

Ainda que seja um acolhimento precário, é comovente perceber o zelo que a protagonista tem com o local, mantendo-o, dentro de suas ínfimas limitações, em perfeita ordem. É nesse cenário que descobrimos seu interesse por assuntos relacionados à ciência, uma vez que ela aparece, mais de uma vez, com exemplares de revistas sobre o tema em mãos.

Tal fato faz com que o espectador passe a se questionar e lembrar-se de que, mesmo quando isso não ocorre com frequência – ao vermos outros cidadãos sob circunstâncias semelhantes -, Christine tem uma história pregressa e que, provavelmente, é muito maior do que aquilo que enxergamos ao vê-la transitando pelas ruas, com seu andar claudicante e poucos pertences em sacolas retornáveis.

Sua vida muda drasticamente com a chegada de Suli (Mahamadou Yaffa), jovem imigrante, natural do país africano Burkina Faso. Aos oito anos, sem saber o idioma francês e deixado à própria sorte – após o mandado de extradição de sua mãe (interpretada por Richna Louvet) -, o garoto encontra na precariedade da vida de Christine, o único porto seguro ao qual recorrer.

O relacionamento da dupla começa bem complicado, já que a protagonista não tem nenhum interesse em manter o menino consigo – mas, não virou suas costas para ajudá-lo em um primeiro instante, quando ele chegou às portas da escadaria, encharcado pela neve e faminto.

Ao absorver a ideia do quanto poderia complicar ainda mais a sua já tão sacrificada história, e ainda assim aceitar as consequências, Christine decide ajudar Suli a reencontrar sua mãe. Para isso, os dois terão que enfrentar, além da complicada barreira linguística que os separa e impede uma comunicação efetiva, os perigos e instabilidades da rotina de quem não tem como abrigar-se / manter-se de maneira minimamente digna.

Conforme a narrativa avança, é fácil afeiçoar-se aos personagens e torcer para que tenham êxito em sua jornada. Assim como é doloroso imaginar quantos passam por situações semelhantes, muitas vezes perto de nós, sem que nem ao menos notemos isso.

A duração de 83 minutos parece ideal para contar todos os capítulos da história proposta por “Sob as Escadas de Paris”, mas confesso que, após a sequência final, gostaria de saber um pouco mais sobre os fatos que a sucederam. Ou, talvez, o melhor seja mesmo ficar com a sensação deixada pela imagem que antecede os créditos finais.

Vale muito a pena conferir.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.