Crítica: Tudo que quero


O universo possui surpresas inimagináveis para quem viaja nele. Se até mesmo Spock e Capitão Kirk encontram situações em que duvidam conseguir se salvar, o mesmo ocorre com jovens que desejam independência e provar-se no mundo. Constantemente, civilizações cobram comportamentos distintos e coragem para se manter em pé mesmo em planetas inóspitos ou hostis.

No filme Tudo que quero (Please Stand By), Wendy (Dakota Fanning) é uma jovem autista. Com a terapeuta Scottie (Toni Collette), ela é acompanhada diariamente em um lar que acolhe adolescentes e jovens adultos com autismo. Precisa repetir as atividades diárias, os cuidados básicos, as roupas que deve vestir. Tudo é um possível obstáculo que, aos poucos, a jovem aprende a transpor a fim de saber como atravessar ruas, como trabalhar e se comunicar. Esse tratamento inclusivo é para, acima de tudo, poder voltar a morar com a irmã Audrey (Alice Eve), que agora é casada e tem um bebê.

Por entre os desafios diários, Wendy se encanta pela história de Star Trek. Assiste aos episódios e redige histórias baseadas na série com muita propriedade. É com a proposta de enviar um roteiro para uma competição de escrita promovida pelos estúdios da série que Wendy se vê diante da sua mais complexa viagem.

Dirigido por Ben Lewin, Tudo que quero é uma doce história que dá visibilidade ao autismo, aos dramas comuns dessa fase inicial da vida adulta, mas principalmente destaca a beleza de ser fã, valorizando a solidão do mundo nerd, da melancólica magia de se esconder no quarto para escrever enredos ou sonhar com o universo ficcional. A incompreensão pelos outros de que aquele universo e aquela série importam mais do que tudo, a criação de fanfics, de enredos alternativos inseridos naquele seriado, a ida a convenções, são partes do ato de ser fã de uma ficção. Esse processo, de se identificar com uma história, faz parte do crescimento emocional de Wendy, pois desbravar universos, a coragem de continuar em frente, são elementos que se descolam da vivência dos personagens e repousam nos desafios diários da garota.

O poder dessa arte na vida da protagonista a faz se projetar em Spock, o qual, na história da jovem, tentaria encontrar uma equação para as emoções. Em sua situação de autismo, Wendy percebeu-se na dificuldade que Spock tem de corresponder às emoções humanas. Apoiar-se em um personagem ou em uma série é o mesmo que dar um invólucro resistente para que as atividades cotidianas não nos massacrem.

Com efeito, a jornada da garota, no filme, possui caminhos satisfatórios. O roteiro faz escolhas realistas quanto às etapas que ela precisa enfrentar para mostrar o seu roteiro de Star Trek ao mundo. As pessoas com quem interage acabam por revelar outras partes do mesmo meio social em que ela vive. A companhia do cãozinho, a angústia em querer ser aceita, as pessoas que encontra na sua viagem. Tudo corrobora para tornar a sua jornada verossímil.

Além disso, o filme sabe criar as personagens femininas com profundidade. No enredo, a prioridade é o crescimento emocional de Wendy como jovem adulta, como autista e como uma mulher roteirista. O roteiro, felizmente, não a resume a relacionamentos amorosos juvenis, mas não deixa de mencioná-los com muito cuidado. Assim como apresenta um bom desenvolvimento na relação entre Scottie e o filho adolescente, e Wendy com a sua irmã mais velha Audrey. Desta forma, o filme torna as três personagens principais uma representação fidedigna com diálogos realistas.

Ao fim, Tudo que quero é um grato retrato à beleza das situações comuns. Sem precisar se apoiar em viradas de roteiro exageradas, ele demonstra que a própria rotina e a vida nesse planeta já possuem obstáculos mais do que suficientes. Que não há como pressupor, numa equação ou por um manual, o modo com que precisa se dar o crescimento e o enfrentamento da fase adulta. A verdade que o filme revela é que todos possuem universos particulares nos quais se apoiar para povoar o planeta. E que ser fã de uma ficção é se firmar, com uma coragem sonhadora, em cada passo que dá na escuridão do universo.

por Marina Franconeti – especial para a CFNotícias