Resenha: “VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue”


O horror é talvez um dos gêneros literários mais flexíveis. Através dele podemos desde expressar nosso sofrimento existencial – como nos contos de Edgar Allan Poe –, até fenômenos sociais complexos como racismo – o excelente filme “Corra” – e sexualidade – como o longa indie “Cthullhu” –, ou apenas ser uma forma de inspirar medo e subir a adrenalina.

No Brasil, a tradição nacional da literatura de terror é pouco conhecida. Um dos precursores deste gênero foi Alvares de Azevedo, que inaugura a tradição em “Noite na Taverna”, que ainda que em sua totalidade não seja um livro de terror, tem uma atmosfera gótica comum ao gênero no período.

Ainda que não fosse o primeiro, o maior expoente de tal literatura neste período foi o patrono da literatura brasileira, o próprio Machado de Assis: além de ser leitor ávido de Allan Poe – e um de seus primeiros tradutores com “O Corvo” –, se inspiraria neste autor para escrever vários contos sinistros. Na modernidade a literatura de horror brasileira conquistou foco própria, não sendo relegada a segunda plano, com autores como André Vianco e Marcus Barcelos.

Juntando-se a essa pesada tradição, temos César Bravo. O autor que até pouco publicava de maneira independente, uniu-se à editora DarkSide, e traz seu segundo título publicado pela casa: “VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue”.

A trama do livro se passa em Três Rios, uma cidade rica do Noroeste Paulista que passou por problemas econômicos, mas se vê renascida. Porém, coisas estranhas e assustadoras acontecem por lá, com seus segredos sombrios sempre dando um jeito de emergir. A videolocadora Firestar, no entanto não poderia estar mais à parte destes problemas: nela os vídeos que se alugam são muito mais do que apenas filmes populares: cada vhs conta um pouco mais da história sombria do lugar.

A primeira coisa a se notar em “VHS” é sua edição: a editora DarkSide, como sempre, fez um belo trabalho, e o livro se encontra completo com mapas, cartas e trechos de jornais que expandem a história, e ajudam a estabelecer o período, local e emoção da trama. Ainda de material promocional, pôsteres de cada conto foram criados de maneira a refletir a ideia de que são vhs sombrios e trash do fim da década de 1980 e começo de 1990.

Quanto à trama, César Bravo mostra que é um escritor de qualidade. Bebendo de inspirações como “Hellraiser”, “Encurralado”, “Candyman” e outros, os contos refletem bem o clima do período entre 1985 e 1995 de uma maneira que quem viveu o período – ou conhece, particularmente, os filmes – irá logo perceber, seja por sua estética ou tramas. Porém ainda que tenha inspirações, algumas claras, outras nem tanto, o autor soube como não tornar o livro derivativo: todos os contos têm material e tramas próprios, não se relegando a serem releituras do conteúdo que os inspira.

Outra qualidade da obra é sua ambientação. A cidade de Três Rios não é apenas um local no espaço com uma história complicada, mas sim um personagem na própria trama dos contos. De certa maneira, ela lembra “Lugar Nenhum” do desenho animado “Coragem – O Cão Covarde” – e os fãs da animação irão perceber que há uma alusão a isto nos parágrafos anteriores deste texto –, com seu ambiente etéreo, à parte da realidade externa: não temos localizações precisas, não sabemos como se chega, raramente vemos interações com o mundo exterior, e ambas trazem à tona o sobrenatural e o maligno.

Para quem gosta de livros de terror, em particular para quem aprecia o trabalho de Clive Baker – de quem dá para sentir a influência permeando os vários contos – e os filmes de terror do meio da década de 1980, “VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue” é uma leitura obrigatória.

Crédito da imagem: Divulgação.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias